
Assim como moldamos o paladar de bebês para apresentar a eles os diferentes sabores do mundo, quando sofremos lesões no cérebro ou mesmo danos causados por demências, podemos perder parte da capacidade de sentir gostos dos alimentos. Um dos sabores mais resistes, porém, mesmo nestes cenários, é o doce.
A língua humana é equipada para sentir cinco sabores com receptores combinados nela, as papilas gustativas. Há algumas especializadas em sentir sabores salgados, azedos, umami (persistentes e intensos) e, claro, doces.
As papilas são frágeis e dependem fortemente dos nervos que as conectam ao cérebro. As doces, porém, parecem manter a sensibilidade por mais tempo e recuperá-la também mais rápido que as demais, mas os médicos não sabiam explicar o porquê.
Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade da Coreia do Sul publicaram em setembro, no International Journal of Oral Science, um estudo que identificou uma proteína que parece dar essa resistência especial às células do paladar doce após lesões nervosas. A descoberta da proteína c-Kit explica por que esse sabor é o mais resistente e abre caminho para avanços no tratamento de distúrbios gustativos.
“Esta é a primeira descoberta que nos permite controlar seletivamente tipos específicos de células gustativas. Embora não se traduza imediatamente em tratamento, fornece uma base para trabalhos futuros sobre resiliência e recuperação do paladar”, aponta o professor Yong Taek Jeong, líder da pesquisa.
O papel da proteína c-Kit no sabor doce
No estudo, a desnervação (perda da sensibilidade dos nervos) levou à ausência de quase todas as papilas gustativas. Entretanto, as últimas a perderem suas reações aos sabores foram as doces e elas se regeneraram quando a conexão nervosa foi estabelecida antes das demais. A descoberta indica que a proteína aumenta a capacidade das papilas gustativas doces de se recuperarem.
Em experimentos com camundongos e línguas de laboratório com lesões nas papilas, os cientistas observaram que o bloqueio da proteína, feito com o medicamento oncológico imatinibe, causava o desaparecimento das células doces sobreviventes. Sem elas, as demais células gustativas não conseguiam se regenerar, destacando também seu papel pioneiro em reestabelecer os sabores.
O resultado mostrou que o sinal da c-Kit é essencial tanto para a sobrevivência quanto para o renascimento das células do paladar após danos nervosos. O mecanismo explica por que o gosto doce tende a persistir mesmo quando outros sabores enfraquecem em situações de infecção ou trauma.
O doce como origem de outros sabores
“As células sensíveis ao doce se mostraram muito mais resistentes do que outros tipos e também parecem ser a origem dos demais sabores. Com o estímulo da c-Kit, a papilas gustativas de tipo 3 se tornaram quase células-tronco, adaptando-se para ajudar a reparar o revestimento epitelial ao redor das papilas gustativas”, destaca Jeong.
O estudo confirmou o que já se sabia: quando o nervo gustativo é cortado, a papila se degenera e depois se regenera à medida que o nervo volta a crescer. A novidade está na intensidade dessa regeneração, que depende do tipo de célula envolvida. “A longo prazo, isso pode orientar novas abordagens para melhorar a nutrição, apoiar pacientes com distúrbios do paladar e até mesmo avançar na ciência do paladar”, afirma Jeong.
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