
Há até quem goste, mas a experiência de viajar costuma ser cansativa e intensa. Ocupamos poltronas pequenas, temos que ficar nas mesmas posições por horas e nos alimentamos mal. Para pessoas com neurodivergências, porém, a este desconforto físico se soma uma série de problemas que pode tornar a viagem um gatilho para crises profundas.
Para pessoas com condições como o transtorno do espectro autista (TEA), transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e dislexia, o período de férias exige atenção redobrada. O estresse de aeroportos e rodoviárias, aliado à imprevisibilidade de sair da rotina podem desencadear crises emocionais.
De acordo com o neuropsicólogo Gustavo Saminêz, da Clínica Emanah, em Cuiabá (MT), ambientes com excesso de estímulos sensoriais, como interações com multidões, ruídos constantes e luzes fortes, são grandes gatilhos para crises e sobrecargas.
“Em pessoas neurodivergentes, ao encarar essas multidões, ativam-se os sistemas de luta e fuga com muita facilidade. Isso pode levar à liberação de cortisol e a uma desregulação emocional, o que chamamos de shutdown ou colapso sensorial”, explica o especialista.
Além disso, o neuropsicólogo ressalta que a viagem expõe o indivíduo a estresse por um tempo muito prolongado, aliado a uma série de incertezas, como mudanças de portão e conflitos por excesso de bagagens, por exemplo.
“Para muitos pacientes, é de fato um desafio decidir viajar e em muitos casos não aconselhamos para evitar retraimentos e problemas de irritabilidade que podem comprometer o avanço do processo terapêutico como um todo. Quem está começando o tratamento deve sempre consultar um especialista antes de comprar as passagens para evitar surpresas desagradáveis”, indica.
Planejamento pode aliviar crises
Para quem já está decidido a viajar, há estratégias que podem ser adotadas para dar mais segurança ao passageiro neurodivergente. A antecipação, por exemplo, é uma boa forma de regulação emocional.
Simular o trajeto que será adotado, ver fotos do local e explicar etapas da viagem são estratégias recomendadas por profissionais da área para reduzir a ansiedade antecipatória.
Objetos de conforto também devem ser organizados com antecedência. Fones com cancelamento de ruído, brinquedos sensoriais e baterias extras para o celular são itens que não podem faltar na bagagem de mão.
Dicas para uma viagem tranquila com as neurodivergências
Antes de viajar
Planejamento: pesquise e planeje com antecedência, escolhendo épocas menos movimentadas para os destinos e criando um itinerário flexível que permita tempo para pausas.
Prepare recursos sensoriais: leve fones de ouvido com cancelamento de ruído, óculos de sol, cordões de girassol ou de quebra-cabeças para tornar mais evidentes suas neurodivergências ao lidar com ambientes mais agitados.
Prepare materiais informativos: leve mapas, horários, informações sobre o local, e materiais de apoio que possam ser úteis durante a viagem.
Durante a viagem
Comunique suas necessidades: se precisar de ajuda ou adaptações, não hesite em conversar com a equipe de bordo ou do hotel. No avião ou no ônibus, solicite, sempre que possível, embarcar por último para ter mais conforto até o horário da saída.
Utilize técnicas de relaxamento: pratique exercícios de respiração ou recorra a outras práticas que funcionem para relaxar.
Busque ambientes mais tranquilos: se possível, procure áreas mais silenciosas e menos movimentadas durante as atividades.
Vá com acompanhantes: evite viajar sozinho. Em alguns casos, pessoas neurodivergentes podem ter direito a descontos em passagens aéreas e outros benefícios para seus acompanhantes.
Para quem acompanha um neurodivergente: ao se deparar com pessoas neurodivergentes, procure entender suas necessidades e respeite suas diferenças. Não tente forçar ajuda quando ela não for solicitada.
Técnicas de autorregulação
A psiquiatra Danielle Admoni reforça a importância de saber distinguir a ansiedade comum de uma crise mais preocupante. Embora pacientes adultos saibam diferenciar melhor estas sensações, em crianças pode ser mais difícil entendê-las.
“Se houver sudorese intensa, náusea e dificuldade para respirar, pode se tratar de uma manifestação de sintomas mais intensos”, indica.
Para quem já está prestes a embarcar, técnicas respiratórias e buscar um espaço mais silencioso podem ajudar a acalmar o sistema nervoso.
Ambientes mais acolhedores e recursos de apoio
Alguns aeroportos vêm adotando medidas para acolher viajantes neurodivergentes. Salas sensoriais com iluminação reduzida e menor ruído são exemplos positivos que estão sendo implantados em aeroportos brasileiros paulatinamente. Entre os terminais que já contam com ela estão os de Recife (PE), Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ).
A comunicação visual clara e eficiente também é essencial. “Placas, setas e mapas bem posicionados ajudam quem está com fone ou com dificuldade de lidar com estímulos sonoros. O apoio não verbal é fundamental”, conclui Saminêz.
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