Fome ou emoção? Entenda por que exageramos na ceia de Natal





As ceias de fim de ano mexem muito com a vontade de comer e de experimentar. Elas despertam lembranças, vínculos afetivos, expectativas e, para algumas pessoas, até feridas emocionais antigas.


Nesse contexto, a comida deixa de ser apenas alimento e passa a funcionar como conforto, afeto e sensação de pertencimento. O resultado é que muita gente come além do necessário — não por falta de controle, mas porque o cérebro está buscando prazer e alívio emocional.


Segundo a psiquiatra Tâmara Kenski, especialista em emagrecimento, a junção de compulsão alimentar, fome emocional e datas comemorativas ativa um terreno emocional sensível.



“O equilíbrio alimentar vem da consciência, e não do controle rígido”, afirma. Para ela, nesses momentos, comer pode ser uma tentativa de preencher emoções, e não de saciar o estômago.

Do ponto de vista neurológico, esse comportamento tem explicação. A dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer, à motivação e à expectativa, entra em ação antes mesmo da comida chegar à mesa. “O cérebro associa essas datas à recompensa, ao prazer e ao pertencimento. Isso faz com que os alimentos pareçam mais atrativos do que seriam em outra época do ano”, explica Tâmara.


Um prato comum no dia a dia pode ganhar outro sabor quando está envolvido pelo clima emocional da celebração. Alimentos ricos em açúcar e gordura intensificam ainda mais esse processo. Eles oferecem prazer rápido e intenso, mas de curta duração.


“Esse prazer fugaz faz o cérebro querer repetir a experiência. Por isso se fala tanto que o açúcar pode viciar”, diz a psiquiatra. Em algumas pessoas, essa ativação do sistema de recompensa reduz a percepção de saciedade e aumenta o risco de comer em excesso.


Quando não é fome, é emoção


Diferenciar fome física de fome emocional ajuda a entender o que está por trás do exagero. A fome fisiológica surge aos poucos e aceita qualquer tipo de alimento. Já a fome emocional aparece de repente e costuma ter um desejo específico. “Ela tem nome e sobrenome. A pessoa sabe exatamente o que quer comer e não se satisfaz com qualquer coisa”, explica Tâmara.


Além disso, a fome emocional ignora os sinais de saciedade. Mesmo após comer, o desejo continua. Já a fome física costuma vir acompanhada de sinais claros do corpo, como estômago roncando e salivação, e tende a desaparecer após a refeição.


O ambiente das festas também contribui. Música, conversas, estímulos visuais, reencontros familiares, ansiedade e álcool competem com a atenção do cérebro. “Quando estamos expostos a muitos estímulos externos, perdemos a escuta do corpo”, afirma a psiquiatra. O álcool, por sua vez, reduz o controle inibitório, dificultando perceber quando já estamos satisfeitos.


Foto colorida tirada de cima de uma mesa repleta de comida, numa ceia de natal - Metrópoles.
Ceias festivas ativam emoções e o sistema de recompensa do cérebro

Culpa alimenta o ciclo do exagero


Depois da ceia, é comum surgir a culpa. Para Tâmara, esse sentimento costuma causar mais danos do que o excesso em si. “A culpa alimenta um ciclo de punição, restrição e nova compulsão alimentar”, diz.


O caminho mais saudável, segundo ela, é o acolhimento: reconhecer que houve emoção envolvida, evitar castigos e seguir em frente sem promessas rígidas. A nutricionista Alice Borges, do Complexo Hospitalar Santa Casa de Bragança Paulista, reforça que o consumo exagerado nas ceias é resultado de vários fatores combinados.


“Existe o fator social, o emocional, o ambiente com muita oferta de comida e o simbólico — a ideia de que, por ser uma data especial, tudo é permitido”, explica.

Outro ponto frequente é passar o dia inteiro restringindo a alimentação para “compensar” à noite. “Quando a pessoa chega à ceia em privação, o corpo e a mente entram em modo escassez, o que aumenta o risco de comer por impulso”, afirma Alice.


Comer um pouco antes pode ajudar a escolher melhor


Manter uma alimentação equilibrada ao longo do dia é uma das estratégias mais eficazes para evitar exageros. Refeições regulares, com proteínas, fibras e gorduras, ajudam a controlar a fome real e reduzem a urgência diante da comida. “Pular refeições costuma ter o efeito contrário”, diz a nutricionista.


Ficar muitas horas em jejum antes da ceia também aumenta o risco de exagerar. A queda da glicemia e o aumento de hormônios da fome fazem o organismo priorizar rapidez e quantidade, não percepção de saciedade. O resultado é comer mais rápido, em maior volume e com menos consciência.


Durante a ceia, desacelerar faz diferença. Comer devagar, mastigar bem, servir porções menores, apoiar os talheres entre as garfadas e beber água ajudam o cérebro a reconhecer a saciedade. “Ela não acontece no primeiro prato. Precisa de tempo e atenção”, explica Alice.


Foto colorida de homem com fome pegando escondido o pedaço de alguma comida na ceia de Natal - Metrópoles
Comer com atenção ajuda a reduzir exageros sem tirar o prazer da celebração

“Não é sobre proibir, é sobre equilibrar”


Montar um prato equilibrado não significa excluir alimentos tradicionais. A orientação é olhar o conjunto: incluir uma fonte de proteína, escolher alguma opção de legumes ou saladas e, a partir daí, acrescentar os pratos típicos da data. “Não é sobre proibir, é sobre equilibrar”, diz a nutricionista.


O álcool, quando presente, deve ser consumido com moderação e junto da comida, já que ele reduz a percepção de saciedade e sobrecarrega o organismo. No dia seguinte, excessos podem causar estufamento, refluxo, dor de cabeça, cansaço e sensação de corpo pesado.


Ainda assim, os especialistas reforçam que uma única refeição não define a saúde. “A ceia não é só sobre comida, é sobre convivência”, lembra Tâmara. Comer com presença, gentileza e consciência torna a experiência mais prazerosa — e ajuda a atravessar as festas sem culpa e sem sofrimento.






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